Representantes de 47 comunidades quilombolas de diversas regiões do Pará discutiram em Belém, durante dois dias, estratégias para elaboração do Cadastro Ambiental Rural (CAR) em seus territórios. A oficina foi promovida pelo governo do Estado, por meio da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) e do Programa Municípios Verdes (PMV), aprovado pelo Fundo Amazônia/Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Embora o encontro – realizado na quarta-feira (09) e quinta (10) – tenha sido promovido pelas equipes técnicas da Semas e do PMV, os representantes quilombolas foram protagonistas. O objetivo foi reunir ideias e contribuições para uma estratégia de implementação do CAR Quilombola. Muitos participantes da oficina não conheciam o Cadastro, mas alguns chegaram à capital com muita contribuição para o debate.
Analu Batista, representante da Comunidade de Remanescentes de Quilombo do Rio Gurupá, em Cachoeira do Arari, no Arquipélago do Marajó, estuda Direito na Universidade Federal do Pará (UFPA). Segundo ela, a escolha do curso tem origem no desejo de querer ajudar os povos tradicionais a partir do conhecimento das leis, como o CAR.
Fundadora da Associação dos Discentes Quilombolas (ADQ), que agrega integrantes de várias comunidades, Analu Batista considerou o evento produtivo, apesar das dúvidas sobre a obrigatoriedade de comunidades quilombolas fazerem o cadastro. “Nós estamos receosos com a implantação do CAR, porque foi pensando para algumas pessoas, não para nós”, ressaltou.
O fato de serem muitos quilombolas, frisou Analu Batista, é sinal de força. Contudo, há vários questionamentos da maioria sobre a forma de o território quilombola se encaixar no Cadastro Ambiental Rural. “Por que não ficamos como os indígenas?”, perguntou a líder quilombola, que teme os desdobramentos do CAR diante das dos povos tradicionais. No entanto, Analu vê na iniciativa do governo do Estado de promover esse diálogo “um começo”.
Troca de experiências - “O esclarecimento pode nos ajudar. O encontro está sendo bom. São trocas de experiências. Quando se reúnem povos de regiões diferentes, temos a possibilidade de trocar informações, experiências com pessoas que estão à frente de nós no processo. Somos comunidades tradicionais, mas cada um tem sua especificidade. Temos nossas dores, angústias e a chance de socializar as informações. Isso é enriquecedor. O projeto está fazendo isso, e é muito bom. Porque, como Malungu, muitas vezes não conseguimos fazer. Mas penso que levar as oficinas para as comunidades seria bem mais aproveitado. Teriam uma espécie de mapa e uma construção de protocolo”, ressaltou.
Uma das responsáveis pela mobilização e realização do encontro, Catarina Barbosa, engenheira florestal do PMV, informou que “nós fizemos essa reunião para informá-los sobre o CAR e ouvi-los. A ideia é que eles possam se apropriar desses conceitos em relação ao Cadastro, repassados em todas as palestras, e construam essa estratégia juntos”.
Dinâmica - O primeiro dia do evento contou com palestras de Maximira da Silva, gerente de Planejamento Ambiental da Semas; Pedro Martins, da ONG Terra de Direitos; Francisco Souza, da Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas (Conaq); Haydeé Marinho, socióloga da Semas; Eliane Moreira, promotora do Ministério Público do Estado (MPE), e Cássio Rodrigues, diretor do Núcleo de Tecnologia e Informação da Semas.
A programação foi mediada pelo diretor do Projeto de Regularização Ambiental, Taiguara Alencar, e por Gabriela Savian, diretora adjunta de Políticas Públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). “Nossa finalidade de estar aqui é explicar o que é o Cadastro, qual a finalidade dele, quais as implicações jurídicas”, disse Maximira da Silva.
Após as palestras foram formados três grupos de trabalho, divididos por comunidades das regiões do Baixo Amazonas, Marajó e Nordeste/Guajarina. Cerca de 100 lideranças quilombolas se reuniram para escrever suas dúvidas, questionamentos, propostas, pontos positivos e negativos da reunião. O resultado foi exposto na manhã desta quinta-feira, quando também foram apresentadas as possibilidades de ingresso no CAR pelo projeto do PMV.
Os participantes foram orientados a envolver as comunidades na sistematização das propostas sobre como conduzir esse processo. Uma das sugestões foi que o CAR seja feito pelos próprios quilombolas ou por parceiros indicados pelas comunidades.
Análise - Para a promotora Eliane Moreira, muitos questionamentos dos representantes das comunidades quanto à sobreposição de terras, territórios por onde passam obras governamentais e conflitos com fazendeiros devem ser analisados. “Que os territórios quilombolas não sejam penalizados por desmatamentos em áreas ocupadas por outras pessoas dentro dos territórios quilombolas. Quando fizerem o CAR, eles não podem ser penalizados por isso”, disse a promotora, ressaltando que “eles têm que ter a possibilidade de financiamento pelas comunidades ou instituições em que eles confiem. Essa oficina precisa pensar sobre isso”.
Sobre esses questionamentos, Maximira da Silva informou que “no nosso módulo vamos identificar o que é território quilombola ocupado por um fazendeiro. Essa discussão já foi passada para a equipe técnica da Semas, e a inserção de um polígono no sistema ocorreu por conta disso, para identificar que aquele crime não foi praticado por quilombolas. O sistema foi preparado justamente para isso”.
Francisco Souza, da Conaq, lembrou que apesar de os quilombolas demorarem a se envolver nessa discussão, o momento é de entrar e participar. “Esse é o momento de fazermos o CAR. É tirar dúvidas para que possamos fazer o Cadastro”, reiterou.
Por Natália Mello.
Com informações da Agência Pará
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