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‘A MULHER MORRE QUANDO NÃO HÁ POLÍTICA PÚBLICA’


                                                              
Maria da Penha não desiste. Foram quase 20 anos de luta contra a impunidade, que só chegou ao fim em 2001, depois que a Organização dos Estados Americanos (OEA) responsabilizou o Brasil por omissão estatal na apuração da tentativa de feminicídio que a deixou paraplégica.

Foto: Bruno Nogueirão / Estadão

A lei que leva o nome da ativista e virou símbolo de proteção acaba de completar 13 anos. Mas algumas batalhas continuam as mesmas. “Os pequenos municípios não são assistidos, com raras exceções”, afirmou Maria da Penha.

Até o ano passado, as brasileiras só contavam com atendimento em delegacias especializadas em 8,3% das cidades, segundo levantamento recente do IBGE. E só há casas-abrigo de gestão da prefeitura para acolher vítimas expostas a situações de alto risco em 2,4% dos municípios. Para Maria da Penha, as falhas no sistema de apoio são parte da explicação para o fato de o número de mulheres mortas apenas por serem mulheres continuar subindo. “Os feminicídios acontecem quando não existe a política pública, quando a mulher tem medo de denunciar.”                                                                                        
O investimento em ensino de gênero nas escolas, uma das recomendações do relatório da OEA que foi incluída na lei, também não foi feito. Virou questão de honra para Maria da Penha. Lutas antigas se somam a novos desafios, como os possíveis impactos que a nova legislação sobre armas pode ter no combate ao feminicídio e a redução no orçamento dedicado a conter a violência doméstica, que passou de mais de R$ 88 milhões em 2017 para R$ 36,7 milhões neste ano. “Desde o momento em que os recursos necessários para determinada política pública funcionar são retirados, claro que é um retrocesso.”


 
Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista concedida pela ativista Maria da Penha ao Jornal Estado.

A Lei Maria da Penha acaba de completar 13 anos. O Brasil avançou no combate à violência contra a mulher?

Sim. A lei é considerada uma das três melhores do mundo no enfrentamento da violência. E eu acho que o papel da imprensa é de informar o número de feminicídios e de denúncias feitas. No momento em que você expõe a quantidade de denúncias, mostra que o homem continua violento - e agora a gente está sabendo o quanto ele é violento, já que antes não existia estatística no País.

Estamos evoluindo para educar a população e evitar mais casos?

O Brasil está melhorando em relação ao movimento de mulheres, que não descansa em mostrar a importância de denunciar. As estatísticas das denúncias são muito altas. Infelizmente, os feminicídios acontecem quando não existe a política pública, quando a mulher tem medo de denunciar.

Se a conscientização das mulheres vêm melhorando, por que ainda não conseguimos evitar que essa violência aconteça?

Isso ocorre porque há o descompromisso do poder público.

Como a senhora avalia a atual política de combate à violência doméstica?

Gostaria que esse governo tivesse um olhar mais aprofundado para a criação de políticas públicas. E que a questão das armas fosse repensada. Também precisamos conseguir, por meio da educação, desconstruir o machismo.

Mudar a regra de posse de armas pode prejudicar o combate à violência contra a mulher?

Com certeza. Eu não concordo com essa política, acho um absurdo levar uma arma de fogo, que tem um alcance maior do que uma arma branca, para dentro de casa. Nós provavelmente teremos um aumento no assassinato de mulheres.

Dados do Ministério da Mulher mostram que o orçamento para o combate à violência contra a mulher caiu em 2019. Isso pode ter um impacto direto no combate à violência doméstica?

Desde o momento em que os recursos necessários para determinada política pública funcionar são retirados, claro que é um retrocesso. O poder público tem de ter esse compromisso, pois assim vamos evitar que mulheres sejam assassinadas por falta de política pública, por não ter onde denunciar. É um descompromisso muito grande.

Quais são os pontos ainda complicados para o cumprimento total da Lei Maria da Penha?

Demorou oito anos para a lei estar presente em todas as capitais brasileiras. E os pequenos municípios não são assistidos, com raras exceções. Para a lei funcionar, é preciso ter o centro de referência da mulher, a casa-abrigo, a delegacia da mulher e o juizado. Sabemos que nos pequenos municípios não é possível ter essas quatro estruturas. Mas elas poderiam estar presentes como a saúde está. Existem as macrorregiões, nas quais municípios maiores abrangem políticas públicas de um grande hospital e atendem a população das regiões circunvizinhas. Isso deveria ser feito com a Lei Maria da Penha também.


Como isso ocorreria?

Nós estamos conscientizando os prefeitos dos pequenos municípios de que é interessante criar o Centro de Referência da Mulher dentro de um posto de saúde para não onerar aquele município e ser mais fácil de a mulher, ao entrar no posto, conseguir ser atendida. Seria favorável à mulher, já que ela não teria obrigação de denunciar o seu agressor naquele espaço, mas seria orientada sobre o funcionamento da lei.


Quais são os principais problemas no combate à violência doméstica?

Eu acho que ainda falta investir muito em educação, pois qualquer cultura só se desconstrói através dela. Tanto que, no meu processo, a Organização dos Estados Americanos (OEA) enviou ao Brasil um relatório final pedindo esse investimento em educação para se desconstruir o machismo já na fase do Ensino Fundamental.


Por que nenhum governo conseguiu colocar o ensino de gênero dentro das escolas?

São 13 anos de existência da lei. E o governo em si está realmente parado. Essa educação já deveria ter acontecido há mais tempo, mas é um ponto que a gente nunca pode deixar de falar.


Com informações do Estadão.

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