Em seu voto, o presidente da 2ª Turma do STF, ministro Gilmar Mendes, abriu divergência do relator, ministro Edson Fachin, e seu entendimento sagrou-se vencedor ao ser acompanhado pelos ministros Ricardo Lewandowski e Carmén Lúcia.
Ao fim do julgamento, Gilmar invocou as palavras do autor russo Aleksandr Soljenítsin, preso político do regime soviético, proferidas por ocasião do recebimento do Prêmio Nobel de Literatura em 1970.
"Como dito pelo referido autor: a violência não vive sozinha e nem é capaz de viver sozinha: 'ela depende, para a sua própria existência, da mentira. Se no seu nascedouro a violência atua de forma escancarada e com orgulho, fato é que ela não conseguirá existir por muito tempo sem descer para uma névoa de mentiras, de falsidade e de manipulação. Por isso, qualquer homem que em tempos aclamou a violência como seu método só conseguiu suceder escolhendo a mentira e a falsidade como seu princípio'", disse Gilmar.
O ministro complementou. "O legado deixado por este caso é a afirmação do dever do Poder Judiciário brasileiro. A violência pode até conseguir existir, ela pode até reinar soberana à luz das sombras, mas nunca — absolutamente nunca — ela viverá ou resistirá à força da Justiça", disse o ministro Gilmar Mendes em clara crítica aos controversos métodos do consórcio de Curitiba.

Para o jurista e colunista da ConJur Lenio Streck, o julgamento da suspeição do ex-ministro Sergio Moro foi histórico. "O STF pode hoje ter salvado o futuro do Direito. Se não julgasse Moro parcial e suspeito, o que ensinaríamos para nossos alunos? O que diríamos em outros países? Importante: a Corte nem necessitou das mensagens dos hackers. Há elementos de sobra para mostrar que Moro foi um juiz que deve receber repulsa da comunidade jurídica", afirmou.
Streck defende que a imparcialidade é sagrada no Direito. "O STF disse que Moro foi herege. Digamos que agora ele é um ex-juiz jus-excomungado. O mais interessante: agora, além de Moro ser incompetente, agora também é suspeito. Eu já sabia disso desde o início. Só não viu quem não quis", pontuou.
O criminalista Alberto Zacharias Toron vai
na mesma linha. "O dia 23 de março de 2021 ficará nos anais não apenas na
história do Supremo Tribunal Federal, mas também da história do Brasil como o
dia em que a nossa mais alta corte de Justiça ergueu sua espada para desfazer
uma clamorosa injustiça. O reconhecimento da parcialidade do ex-juiz Sergio
Moro não era apenas o que os advogados e os juristas esperavam, mas o anseio de
Justiça da própria nação que não admite que alguém seja perseguido usando-se o
Poder Judiciário como meio para consecução de uma farsa. O STF, particularmente
os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Carmén Lúcia merecem nossos efusivos
aplausos não apenas pela sensatez, mas sobretudo pelo senso de Justiça",
pontuou.
O Daniel Bialski, advogado criminalista, mestre em Processo Penal pela PUC-SP e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, lembra que ao declarar a suspeição de Moro, o Supremo anula todos os atos e decisões por ele praticados. "Isso vai desde busca e apreensão até um deferimento de quebra de sigilo telefônico", explica.
Ponderação semelhante a do advogado Flavio Eduardo Cappi.
"No caso da suspeição, todos os atos com que o juiz teve contato serão
anulados. Então, os resultados de uma exceção de suspeição versus
incompetência é que exceção de suspeição é muito mais gravosa, muito mais séria
para um processo penal do que a de incompetência, pois se há suspeição, você
não aproveita nada do que foi feito; se há incompetência, você tem chance
de aproveitar uma boa parte do processo", argumenta.
O advogado e processo de Processo penal da FAE, Rodrigo Faucz Pereira e Silva,
afirmou que seria estranha qualquer decisão que não apontasse a suspeição do
ex-juiz. "Com base em evidências concretas levantadas, não acredito
que exista algum sistema jurídico do mundo que não reconheceria a parcialidade
de Sergio Moro nos processos contra o ex-presidente. O não reconhecimento da
suspeição só poderia ser explicado por eventuais acordos políticos, jamais
pelos elementos de provas, os quais são robustos e contundentes",
sustenta.
Felipe Maranhão, advogado criminalista no Bidino
& Tórtima Advogados, explica que o reconhecimento da suspeição de
Moro, que constitui uma nulidade absoluta, importa a anulação de todos os atos
da ação penal do tríplex, sem possibilidade de convalidação dos atos pelo novo
juiz da causa. "É bom frisar, no entanto, que a decisão vale apenas para
essa ação penal e especificamente para o ex-presidente Lula. Resta saber se a
2ª Turma do STF irá estender esse entendimento a outros processos do
ex-presidente, ou a outras pessoas acusadas na 'lava jato'", diz.
Na contramão da maioria dos especialistas consultados, o professor de Direito Penal da PUC-SP, Paulo Cunha Bueno, exaltou o voto do ministro Nunes Marques. "O julgamento de hoje ressente-se de grave vício processual. A suspeição do ex-juiz jamais poderia ter sido apreciada por via de Habeas Corpus. Além da existência de recurso apropriado para suscitar a suspeição, o HC é via processual de tramitação sumária e que jamais permitiria a análise aprofundada de provas como ocorreu na espécie. Dificilmente uma Corte Superior conheceria de um HC com essas características, estando o voto do Ministro Nunes Marques, do ponto de vista processual, absolutamente correto", afirma.
A defesa do ex-presidente Lula divulgou nota ao final do
julgamento. Leia
abaixo:
É histórica e revigorante para o Estado de Direito e para o
devido processo legal a decisão proferida hoje pela 2ª Turma do Supremo
Tribunal Federal, concedendo a ordem de habeas corpus que pleiteamos em favor
do ex-presidente Lula em 05/11/2018 perante aquela Corte para reconhecer a
suspeição do ex-juiz Sergio Moro (HC 164.493).
A quebra da imparcialidade pelo ex-juiz, tal como a
incompetência da Justiça Federal de Curitiba, reconhecida por outra histórica
decisão proferida em 08.03.2021 pelo Ministro Edson Fachin, sempre foi por nós
sustentada, desde a primeira manifestação apresentada no processo, no longínquo
ano de 2016. Em outras palavras, sempre apontamos e provamos que Moro jamais
atuou como juiz, mas sim como um adversário pessoal e político do ex-presidente
Lula, tal como foi reconhecido majoritariamente pelos eminentes Ministros da
2ª. Turma do Supremo Tribunal Federal.
Para percorrer essa trajetória na defesa técnica do
ex-presidente Lula, sofremos toda sorte de ilegalidades praticadas pela “lava jato”,
algumas delas indicadas na própria decisão que reconheceu a suspeição do
ex-juiz, como o monitoramento ilegal dos nossos ramais para que os membros da
“operação” pudessem acompanhar em tempo real a estratégia de defesa.
Da mesma forma, o ex-presidente Lula, nosso constituinte, foi
alvejado por inúmeras ilegalidades praticadas pelo ex-juiz Sergio Moro, em
clara prática de lawfare, ou seja, por meio do uso estratégico das leis para
fins ilegítimos. Os danos causados a Lula são irreparáveis, envolveram uma
prisão ilegal de 580 dias, e tiveram repercussão relevante inclusive no
processo democrático do país.
A decisão proferida hoje fortalece o Sistema de Justiça e a
importância do devido processo legal. Esperamos que o julgamento realizado hoje
pela Suprema Corte sirva de guia para que todo e qualquer cidadão tenha direito
a um julgamento justo, imparcial e independente, tal como é assegurado pela
Constituição da República e pelos Tratados Internacionais que o Brasil
subscreveu e se obrigou a cumprir.
Cristiano Zanin Martins/Valeska T. Z. Martins.
Com informações do CONJUR
Fotos/Divulgação/Internet
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