Ao presidente da República não cabe postular, em nome
próprio sem representação, ação direta de inconstitucionalidade visando
derrubar decretos estaduais que estabeleceram medidas mais rígidas de combate à
Covid-19, como a restrição de circulação de pessoas, toque de recolher e
fechamento de estabelecimentos comerciais.
Com esse entendimento, o ministro Marco Aurélio, do Supremo
Tribunal Federal, indeferiu a inicial ajuizada por Jair Bolsonaro, contra as normas impostas à
população pelos governadores do Distrito Federal, Bahia e Rio Grande do Sul.
O
decano do STF explicou que o artigo 103, inciso I, da Constituição Federal
prevê a legitimidade do Presidente da República para a propositura ADI,
"sendo impróprio confundi-la com a capacidade postulatória".
A ConJur já havia adiantado a problemática situação de não
haver consenso se Bolsonaro teria capacidade postulatória, pois não é advogado.
Dessa maneira, haveria dúvidas se precisaria ser representado por um procurador
— o que não ocorreu no caso.
Segundo
o ministro Marco Aurélio, o chefe do
Executivo personifica a União, atribuindo-se ao Advogado-Geral sua
representação judicial, a prática de atos em juízo. "Considerado o erro
grosseiro, não cabe o saneamento processual", disse.
Ordem regulada
Na ação, Bolsonaro defendeu que o fechamento de serviços
não essenciais e outras medidas mais duras deveriam ser discutidas e aprovadas
pelas Assembleias Legislativas, ao contrário do que acontece desde o início da
pandemia.
Já há muito, as ações se dão por decretos estaduais, de iniciativa exclusiva do Executivo. Segundo o presidente, isso evitaria "abusos" por parte de governadores.
Conforme também mostrou a ConJur, a opinião de especialistas, o pedido não se sustenta porque a atuação de estados na pandemia já foi regulada e confirmada pelo Supremo — ainda que Bolsonaro tenha usado essa justificativa para tentar imputar ao STF a omissão do governo federal para agir na epidemia.
O voto do ministro Marco Aurélio na ADI termina com uma afirmação sintomática. "Ante os ares democráticos vivenciados, impróprio, a todos os títulos, é a visão totalitária. Ao Presidente da República cabe aliderança maior, a coordenação de esforços visando o bem-estar dos brasileiros."
Repercussão
Rafael Valim, especialista em Direito Administrativo,
sócio do Warde Advogados, considerou "corretíssima" a decisão.
"Trata-se de uma lição elementar de Direito. Vê-se que não é só na gestão
da saúde pública que o presidente demonstra uma absoluta incapacidade",
disse.
Diego Henrique, criminalista, sócio do Damiani Sociedade de Advogados, também foi firme nas críticas. "Passando ao largo do mérito da ação e, mais ainda, de qualquer discussão político-ideológica, é vexatório o nível de despreparo técnico do gabinete da Presidência da República, não só do homem em si, mas de toda a equipe que o assessora. Este último vexame demonstra, novamente, o flerte com o autoritarismo e o absoluto desconhecimento do funcionamento do Estado Democrático de Direito (e de suas instituições) instituído pela ordem constitucional vigente", opinou.
Na mesma linha, Adib Abdouni, advogado criminalista e constitucionalista, avaliou como "inconcebível" a ação proposta em nome do próprio mandatário. "O pedido formulado, sabidamente natimorto, ostenta meros e apequenados contornos de interesse estritamente político, a fim de justificar o imponderável e recrudescente posicionamento negacionista do presidente da República acerca das medidas adotadas pelos demais entes da federação no combate e enfrentamento à crise sanitária decorrente do novo coronavírus. Assim, o ministro Marco Aurélio, com elegância e polidez, ainda foi capaz de eleger fundamentos menos contundentes com o fito de indeferir de plano o pleito deduzido, notabilizado pela natureza autoritária que dele emerge, posto que manifestamente incompatível com o Estado democrático de Direito assegurado pela Constituição", comentou.
Mais informações no Conjur.
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