Por João filho.
A OITAVA PARTE da Vaza Jato, publicada pelo Intercept,
revelou que muitos procuradores do Ministério Público Federal tinham absoluta
consciência de que o ex-juiz Sergio Moro utilizava o trabalho da força-tarefa
com objetivos nada republicanos.
Pior que isso: eles se preocupavam com a maneira sistemática
com que o ex-juiz descumpria as leis, mas toleravam por estarem se
beneficiando. Uma frase da procuradora Monique Cheker virou a síntese da
atuação do magistrado e da sua relação com o MPF: “Moro viola sempre o sistema
acusatório e é tolerado por seus resultados”.
![]() |
Foto: Rodrigo Felix Leal/ANPr |
Enquanto os procuradores faziam de tudo para blindar a
imagem de imparcialidade da Lava Jato, a vaidade de Moro colocava tudo a
perder. Nos diálogos, o ex-juiz e sua esposa eram tratados como caipiras
deslumbrados por não conseguirem disfarçar a preferência pelo candidato
Bolsonaro nas redes sociais.
A preocupação dos procuradores não era com o fato de Moro
atuar de forma parcial, mas com o fato de não parecê-lo. Eles gostavam dos
“resultados” da atuação ilegal do juiz, mas desejavam que ele não desse tanta
bandeira. Quando Moro decidiu integrar o governo Bolsonaro, caiu a máscara da
imparcialidade. O fato constrangeu os procuradores. Mas é importante reforçar:
para eles, o grave não foi usar máscara, mas tê-la deixado cair.
Boa parte dos procuradores — e não apenas Dallagnol — tinha
consciência de que Sergio Moro extrapolava suas funções, atuava de acordo com
uma agenda política-partidária e era movido por um projeto político pessoal.
Mas se calou publicamente e se tornou cúmplice do ex-juiz.
Outro trecho revelador sobre os meandros da Lava Jato é do
procurador Angelo Augusto Costa: “[Sergio Moro] Fez umas tabelinhas lá,
absolvendo ali pra gente recorrer aqui”. Esse trecho confirma que a
procuradoria e o juiz combinaram um jogo de cena jurídico apenas para manter a
fachada de imparcialidade. É grave.
A vaidade de Moro começou a prejudicar a imagem do conluio
lavajatista. Mas, apesar das reclamações internas, publicamente os procuradores
eram só elogios ao ex-juiz. Deltan Dallagnol, o coordenador da força-tarefa,
reconheceu haver problemas na nomeação de Moro como ministro de Bolsonaro, mas
tentou conter a indignação dos seus pares lembrando que apoiá-lo era uma
questão de sobrevivência. Segundo ele, apoiar Moro era o mesmo que apoiar a
Lava Jato, o que confirma, mais uma vez, que acusação e juiz eram uma coisa só.
A preocupação de Dallagnol era essencialmente política.
Agora, com veículos da grande mídia, como Folha de S. Paulo
e Veja, atestando que o arquivo não foi adulterado não há mais para onde
correr. Insistir na estratégia esfarrapada de não reconhecer a autenticidade e,
ao mesmo tempo, não negar nada do que tem sido publicado, é cavar o fundo do
poço do ridículo. A opção menos indigna para os procuradores seria reconhecer a
autenticidade dos diálogos e pedir afastamento dos seus cargos. Mas como
esperar isso de quem viu a Constituição sendo violada reiteradamente e, mesmo
assim, tomou a decisão política de apoiar o violador a virar ministro da Justiça?
Dallagnol calculava os efeitos das ações da Lava Jato nas
eleições
Na primeira publicação da Vaza Jato, ficou claro que os
procuradores se mobilizaram para evitar que Lula desse entrevista, já que isso
poderia “eleger o Haddad” ou permitir a “volta do PT” ao poder.
Ontem, a Folha de S. Paulo publicou novos trechos do arquivo
obtido pelo Intercept que confirmam a intenção da Lava Jato em influenciar o
jogo eleitoral. Ele tentou acelerar ações contra o petista Jaques Wagner para
que elas acontecessem antes do fim do segundo turno das eleições presidenciais.
Dallagnol queria um mandado de busca e apreensão na casa do senador antes da
posse. “Isso é urgentíssimo. Tipo agora ou nunca kkkk”, falou Dallagnol para um
dos procuradores. A pressa tinha como objetivo pegar o petista ainda sem foro
privilegiado e arranhar a campanha de Haddad.
Uma procuradora lembrou que Jaques Wagner já havia sofrido
uma busca e apreensão e ponderou que uma nova talvez não valesse a pena. Deltan
respondeu que valeria por uma “questão simbólica”. O simbolismo de uma nova
ação contra o petista não seria outro senão o político. Não há outra
interpretação possível.
A Bahia é um do principais redutos eleitorais do PT, se não
for o principal. Jaques Wagner, ex-governador do estado por duas vezes, chegou
a ser cotado para ser o candidato do PT nas eleições presidenciais e se tornou
o coordenador da campanha de Haddad no segundo turno. Bolsonaro levou uma surra
de Haddad nas urnas baianas no primeiro turno, tendo uma votação menor do que a
de Aécio Neves em 2014. Não é difícil imaginar qual seria o valor simbólico de
uma busca e apreensão na casa do senador baiano em plena campanha do segundo
turno.
Não restam dúvidas de que algumas ações da Lava Jato foram
sincronizadas com uma agenda eleitoral. Todas elas visando prejudicar Haddad e
beneficiar Bolsonaro. O caráter antidemocrático da força-tarefa é inegável. A
operação trabalhou em pelos menos duas oportunidades para prejudicar a campanha
presidencial do PT. Pior: o seu coordenador atuou nos bastidores para articular
um apoio dos procuradores à ida de Sergio Moro para o governo de Bolsonaro —
que foi o principal beneficiário de toda essa operação. Se isso não é um ataque
orquestrado contra a democracia, o que mais seria?
Com informações do TheInterceptBrasil.
Comentários