O crime de estupro, em comparativo com tentativas de
estupro, feminicídio e tentativa de feminicídio, é o que mais faz vítimas
mulheres em todo o Pará. Os dados, enviados pela Secretaria de Estado da
Segurança Pública e da Defesa Social (Segup), consideram pessoas do sexo
feminino de grupos vulneráveis (menores de idade, idosos, pessoas com
deficiência) e não-vulneráveis e apontam para uma lamentável estatística: em
média, uma mulher é estuprada a cada três horas no Estado.
Só em 2017, entre os meses de janeiro e junho, foram 1.516
ocorrências de estupros consumados no Pará. Desse total, 1.061 foram praticados
contra grupos vulneráveis. Em 2018, no mesmo período de tempo, foram 1.653
denúncias (1.223 contra vulneráveis) e, em 2019, 1.447 (1.081 contra
vulneráveis). Se somarmos os números, em 18 meses, 4.616 mulheres foram
estupradas no Pará.
A média é de 256 por mês, oito por dia, uma a cada três
horas.Não há perfil, não há roupa, não há local, não há horário. Todas as
mulheres podem ser vítimas desse crime, que devasta fisicamente,
psicologicamente e socialmente. Na verdade, já são. Só o fato de serem vítimas
em potencial de uma infração tão invasiva, em todos os momentos que saem nas
ruas, já as agride substancialmente - o medo torna-se pior inimigo de pessoas
que, a qualquer momento, podem ser invadidas em em uma viela, no meio de uma
multidão ou no silêncio de um praça. Locais lotados são mais perigosos, há mais
riscos. Lugares vazios também - atraem criminosos, pela ausência de
testemunhas.
Avançamos em debates, mas não avançamos positivamente nos
números: entre os anos de 2017 e 2018, o aumento desse tipo de crime foi de 9%
no Estado. Se considerarmos apenas o primeiro semestre de 2019, persistimos com
a média de um estupro a cada três horas.
COMO EVITAR
O que fazer, então, para evitar casos de estupro? Para a
delegada Adriana Norat, diretora da Delegacia da Mulher (Deam) de Belém, o
caminho é repressão, prevenção e educação."Falando enquanto órgão, a
Polícia Civil é repressiva, mas nós também temos a veia da prevenção, então
trabalhamos na educação, fazendo uma desconstrução da cultura, desconstruindo
esse ideal machista, essa situação patriarcal. É preciso ser feito um trabalho
sério, de políticas públicas, para evitar o estupro" afirma. Questionada
sobre a cultura, a qual ela cita, Norat diz que "algumas situações são
casos patológicos, pessoas com doença psiquiátrica, mas muito são por conta de
uma cultura, que eu prefiro chamar de anti-cultura, ainda vigente em
determinadas regiões, de não ver o estupro como um crime". "Aqui no
Norte, no Pará principalmente, essa mentalidade ainda é propagada em alguns
locais do interior.
Algumas pessoas, famílias inclusive, perpetuam a ideia de
que violentar sexualmente uma pessoa é natural, porque não enxergam isso como
uma violência, como um crime. Elas não alcançam a gravidade do ato praticado.
Isso precisa ser quebrado. Há ainda aquelas pessoas que têm consciência de que
a conduta é errada, mas praticam, por ser um transgressor" diz,
acrescentando que "há também questões sociais, financeiras, que muitas
vezes famílias, principalmente do interior, "vendem" praticamente
suas crianças em troca de ajuda material". "Eles não entendem que
estão entregando aquela menina para um criminoso. Acham que vão dar uma vida melhor
para ela. É uma situação grave, alarmante”. O perigo, porém, na maioria das
vezes, está dentro de casa - ou, no máximo, na esquina. São pais, tios, irmãos,
sobrinhos, amigos, parentes, vizinhos que acabam ganhando uma única
identificação: abusadores. "Infelizmente, os casos de estupro, em sua
maioria, ainda são cometidos por pessoas conhecidas. Isso persiste"
lamenta a delegada, alegando que, nesses casos, o autor do crime costuma se
prevalecer da intimidade com a pessoa para violentá-la.
A CULPA NUNCA É DA VÍTIMA
Seguindo o código penal, estupro é "constranger alguém,
mediante violência ou grave ameaça a ter conjunção carnal, praticar ou permitir
que com ele se pratique outro ato libidinoso". Cai por terra, com isso, o
senso comum de que estupro só é penetração. Estupro é qualquer ato de cunho
sexual praticado sem consentimento ativo da vítima ou por obrigação. Apesar de
todo o avanço judicial, são raras as vezes em que uma vítima não é culpabilizada.
Relatos de muitas mulheres já violentadas demonstram que, até mesmo familiares
e, por vezes, autoridades, desacreditam de seus relatos, questionando sempre o
que elas fizeram para que o estupro ocorresse. A mulher nunca, em nenhuma
hipótese, deve ser culpabilizada. Ela é a vítima, independente da roupa que
vestia, do horário que andava, das pessoas com quem estava ou da bebida que
consumia. Isso atinge, inclusive, mulheres casadas: o estupro conjugal é real e
previsto em lei. O que quer dizer que: mesmo que uma mulher seja casada, se ela
for forçada a aceitar ou praticar atos sexuais com o marido, ela está sendo
vítima de um estupro conjugal (ou marital), sendo uma das agressões
reconhecidas pela Lei Maria da Penha.
ONDE DENUNCIAR?
Mesmo diante de um cenário não completamente seguro às
denúncias, visto que, na maioria dos casos, o agressor está dentro de suas
próprias casas, as vítimas de estupro, em todas as ocasiões, devem procurar a
delegacia mais próxima. Isso é o que orienta a Adriana Norat, mesmo
reconhecendo que "existem bloqueios diversos, que impedem a pessoa de
procurar, como o emocional, de estar muito abalada ou de conhecer o abusador, e
o social, de não querer se expor"."Elas podem denunciar em qualquer
delegacia, seja especializada ou não, o mais rápido possível. A demora nesse
tipo de denúncia prejudica a apuração, porque ela vai demorar a realizar as
perícias necessárias e as violências sexuais geralmente deixam vestígios,
então, se demorar para fazer os exames, acaba se perdendo a prova
material" explica a diretora da Deam-Belém. Questionada se a falta de ação
imediata da Polícia não pode interferir no receio da vítima em denunciar,
Adriana garante que "as delegacias especializadas têm atuado em tempo cada
vez mais hábil".
"Elas podem denunciar em qualquer delegacia, na que
esteja mais próxima, para não perder vestígios que se tornam provas, mas as
recomendadas ainda são as delegacias especializadas, que costumam atuar com
mais rapidez" sustenta, apesar de admitir que a demanda de crimes é
desproporcional ao efetivo existente. "Ainda não contamos com o efetivo
ideal para dar resposta imediata". Atualmente, há 17 Deam's no Estado.
Dessas, três funcionam 24 horas: Belém, Ananindeua e Santarém. As outras, em
turno comercial. Os endereços e telefones podem ser encontrados no site da
Polícia Civil.
DENÚNCIAS SÃO SUBNOTIFICADAS NO MÊS DE JULHO
Apesar de dados tão alarmantes, a diretora da Deam-Belém
acredita que a subnotificação ainda é alta no Pará. De acordo com ela, os casos
mais recorrentes de subnotificação são os crimes praticados no ambiente
familiar. Sobre isso, ela faz questão de ressaltar que não é necessário que a
vítima denuncie - ou que autorize a denúncia - para que o crime seja
investigado. "Qualquer pessoa que souber pode ligar para o 180 ou 181 e
denunciar, até mesmo de forma anônima" diz. A partir do momento em que a
denúncia for feita, o crime, mesmo que a vítima não queira, será apurado pelas
autoridades.
A temporada de férias, para muitos, poderia significar ainda mais
risco diante desses crimes, já que o período pode ser encarado como propício
para os agressores pelo aumento do número de festas, consumo de drogas lícitas
e ilícitas e cidades vazias. Porém, os dados de 2017 e 2018 não demonstram nem
queda, nem aumento desse crime nas férias escolares. Para Norat, isso não
confere com a realidade. Ela acredita que a transgressão é, na verdade,
subnotificada nesse período.
"Existem alguns crimes que a gente sabe que são
sazonais, que a frequência e a incidência aumentam em determinadas épocas do
ano, mas a violência sexual é meio difícil de ser explicada. Na Deam de Belém,
até pouco tempo atrás, em meses como julho, a incidência do crime de estupro
era muito alta. Hoje em dia isso está mudando" comenta, ao acrescentar que
"uma coisa é certa: normalmente nos meses que têm feriados e férias, a
incidência desse crime é maior".
Questionada, então, o motivo de os dados não apresentarem
isso, Adriana diz que "há, sem dúvida, subnotificação". "Talvez
um motivo para essa subnotificação seja o código de processo penal, que
determina que o local onde se apura o crime tem que ser o local onde ocorreu o
fato" explica. "Se um fato aconteceu em Salinas, por exemplo, ele
precisa ser julgado lá, mesmo que a pessoa more em Belém.
Às vezes, as vítimas
voltam para a capital, mas acabam desistindo de registrar ocorrência, porque
descobrem que será apurado por aquele município e isso pode ser que seja um
bloqueio para alguns" completa.
Com informações de O LIBERAL
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