O lockdown é conjunto de medidas ainda mais rígidas para a
circulação de pessoas durante a pandemia, está na boca do povo: virou até meme
nas redes sociais. Mas será que estão todos sabendo por que é realmente tão
necessário ser ainda mais restritivo com o isolamento social? Para ajudar as
famílias a entenderem sobre o assunto, o Espaço Mundo Mãe (@espaco_mundomae)
consultou o médico epidemiologista Roberto Medronho, chefe da Divisão de
Pesquisa do Hospital Universitário Clementino Fraga da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ).
Nesta entrevista, Medronho, um dos integrantes do conselho
que auxilia o governo do Estado do Rio de Janeiro a tomar decisões, diz que o
lockdown é "um remédio amargo, mas necessário para salvar vidas" e
defende que seja amplamente adotado no país.
O especialista fala, também, como as medidas rígidas
impactariam as famílias brasileiras e diz que o pior cenário, com o colapso do
sistema de saúde, é os médicos terem de fazer, o tempo todo, uma Escolha de
Sofia (expressão que vem da literatura, da obra homônima do americano William
Styron, usada para escolhas difíceis e duras).
"O que mais tememos é que o médico, diante de dois
pacientes precisando de um respirador, escolha aquele que terá mais
probabilidade de sobreviver. E, o que não for para a ventilação mecânica, muito
provavelmente vai morrer", explica. Confira:
- O que muda com relação à quarentena?
MEDRONHO: "No lockdown, a pessoa é proibida de sair. E,
para sair, terá que preencher uma autodeclaração dizendo que vai à farmácia ou
ao supermercado. Se não conseguir comprovar, será multada caso seja abordada
por um agente de saúde. O rigor nessa mobilidade será muito maior. As pessoas
podem se arriscar? Podem. Podem fazer declaração falsa? Sim. Mas se não
conseguirem provar podem ser multadas e até conduzidas a uma delegacia. Eu,
pessoalmente, acho que não devemos chegar a esse ponto. Sou a favor da
abordagem pacífica, da conversa, da persuasão. A aplicação da multa pode ajudar
a inibir as pessoas de não saírem às ruas, a não ser por situações essenciais".
- O senhor é a favor do lockdown. Por quê?
MEDRONHO: "É a melhor medida para deter o avanço
acelerado da epidemia, como mostra a experiência internacional, e com isso
diminuir o número de casos e de óbitos pela doença. Algumas medidas decretadas por
alguns governadores do país foram positivas, ajudaram a conter a propagação da
doença, mas as pessoas relaxaram. Então, sim, sou a favor do lockdown. Para os
hospitais atenderem adequadamente a população e para que possamos evitar a
morte daquele paciente que sobreviveria se tivesse atendimento médico
adequado".
- Por quanto tempo seria necessário o lockdown para se obter
um resultado efetivo?
MEDRONHO: "Não há tempo específico, mas cerca de duas a
três semanas seria uma forma de conter mais efetivamente a ascensão da curva de
crescimento da doença".
- Como será o lockdown no Brasil?
MEDRONHO: "O Brasil, na verdade, são vários Brasis. Não
há como ter um lockdown único para todo o país e também ele não pode ser feito
por decreto. Nós temos muitas comunidades carentes. Temos muitas regiões
isoladas de grandes centros. Teríamos que avaliar a evolução da doença em cada
um desses locais. Alguns talvez nem precisassem de medidas mais rígidas, outros
teriam que adotar com total rigidez.
Não há menor dúvida de que com o lockdown nós teremos um
problema econômico mais grave. E aí entram os governantes, em especial o
Governo Federal, para socorrer as famílias com menor renda e ajudar os estados
para que estes possam socorrer os municípios. Trata-se agora de salvar vidas.
Não tenho dúvida nenhuma de que o lockdown é um remédio
muito amargo. Mas a doença é muito grave. Não temos outra alternativa. Estamos
diante de uma situação excepcional e para isso temos que usar um remédio
excepcional.
A ideia, no lockdown, é mobilizar nas comunidades as
associações de moradores, as organizações não-governamentais, os clubes, as
escolas de samba, as igrejas, ou seja, envolver todas as lideranças
comunitárias daquele território para que ajudem na divulgação de como é
importante ficar em casa e também na distribuição das cestas básicas, de
recipientes de água, porque não adianta mandar lavar a mão se não há água.
Assim como não adianta pedir isolamento para famílias de seis, sete pessoas,
que moram todas num único cômodo. Essas são peculiaridades que nos diferenciam
muito dos países europeus. E que precisam ser levadas em conta para que o
lockdown seja posto em prática de forma a trazer benefícios para todos".
- Como isso vai afetar o dia a dia das famílias?
MEDRONHO: "Para aquele que está respeitando a
quarentena, não muda nada. Para aquele que está trabalhando em serviços
essenciais, também será a mesma coisa. Muda para aqueles que não têm
justificativa concreta ou plausível para sair e têm saído mesmo assim.
O lockdown é para devolver para as suas residências as
pessoas que não estão respeitando as medidas de isolamento social
decretadas".
- Que consequências podemos esperar para a saúde emocional
de crianças e adolescentes?
MEDRONHO: "As consequências para a saúde emocional de
todos, mas principalmente das crianças que não entendem tão bem o que está
acontecendo, e dos adolescentes, com anseio por socialização, estar em grupo,
em festa, em eventos coletivos, se abraçando, dançando, precisam ser muito bem
trabalhadas pelos responsáveis para tentar diminuir ao máximo o efeito
emocional. Muitas pessoas já estão em sofrimento psíquico. Algumas já estão
deprimidas. Por isso é fundamental se conectar pela internet ou pelo telefone.
Já vimos em outros países como pode ser interessante todos
irem à janela fazer um jogral, cantando, músicos tocando. Há ações para
amenizar esse isolamento que estamos vivendo. Pelas redes sociais. Interações à
distância com a vizinhança. Temos que buscar nossa criatividade para evitar que
se entre em depressão, em estresse, porque pode ser muito ruim para a saúde
mental e trazer consequências pós-pandemia".
- O que é possível fazer em termos de organização da família
para tornar o lockdown mais ameno?
MEDRONHO: "Antigamente, as famílias se reuniam para
ouvir histórias, fazer brincadeiras, lerem. Há uma infinidade de coisas para
amenizar o sofrimento de todos, não só da criança e do adolescente. É tentar
fazer deste limão uma limonada. Já que estamos todos confinados, como tornar a
vida mais amena? Para que possamos trocar mais, conversar mais, ter um momento
só nosso, de pensar na vida. No âmbito da família, há muito o que fazer para
suavizar essa temporada.
Que tal uma sessão pipoca, com uma sala de cinema em casa? E
uma brincadeira de antigamente? Será um momento inesquecível. Mas por que não
transformar isso numa memória afetiva bacana para que filhos, quando forem pais
ou avós, contem para suas crianças o que passaram e se lembrem das histórias
boas. Teremos as ruins, que soarão quase como inacreditáveis, mas podemos
construir outras bonitas, emocionantes, amorosas".
O Espaço Mundo Mãe ajuda a entreter as famílias com o
projeto De História Em História, no qual, duas vezes por semana, uma
personalidade lê um livro infantil. Fique em casa, se puder, e reúna todos para
passar bons momentos juntos.
Texto de Simone Intrator, Gshow — Rio de Janeiro, publicado
em 18/05/2020 18h15.
Comentários