Ainda que a Advocacia-Geral da União venha a tentar forçar
judicialmente estados e municípios a seguir as ordens do governo federal sobre
relaxamento das medidas de isolamento social — como quer o presidente Jair
Bolsonaro —, a ação deve ser inócua. Afinal, o Supremo Tribunal Federal já
decidiu que tais entes federativos podem limitar atividades no combate à
epidemia do coronavírus.
Nesta segunda-feira (11/5), um decreto de Bolsonaro incluiu
salões de beleza, barbearias e academias de esportes no rol de atividades
essenciais, permitindo que os estabelecimentos fiquem abertos no atual estágio
da epidemia. No entanto, diversos governadores e prefeitos afirmaram que vão manter
as restrições a essas atividades.
Bolsonaro afirmou que os governantes que descumprirem o
decreto estarão “partindo para a desobediência civil” — e que usaria a AGU para
forçá-los a obedecer a norma.
“Se porventura o governador disser que não vai cumprir, a
AGU vai tomar a devida medida. Quando qualquer um de nós achar que uma lei ou
decreto está exagerado, tem a Justiça ou o Parlamento. Nós definimos quais eram
as profissões essenciais. Fora daquilo, os governadores e prefeitos tomam as
próprias providências. Aí entra em descumprimento de uma norma. Tem a ver com
descumprimento, a AGU vai se empenhar para que aquele governador cumpra o
decreto”, disse o presidente na terça-feira (12/5).
Na quinta-feira (14/5), em reunião com empresários — e da
qual participou o ministro da Economia, Paulo Guedes —, o presidente subiu o
tom. Referiu-se a "guerra" para descrever o conflito entre a União e
alguns governadores.
A AGU exerce advocacia de Estado, representando a União.
Dessa maneira, pode ser instada a ir ao Supremo alegar que estados e municípios
estão violando o decreto que permitiu a abertura de academias e salões de
beleza.
Contudo, a ação muito provavelmente seria inócua, avaliam os
ex-advogados-gerais da União Luís Inácio Adams e José Eduardo Cardozo. “Não
acho que seja eficiente a AGU mover ação no Supremo por esse motivo, pois a
corte decidiu que estados e municípios têm competência para estabelecer regras
para combater a epidemia. Eles têm a prerrogativa de ajuizar essa ação. Mas não
acho que seja muito frutífero”, opina Adams.
Já Cardozo aponta que a AGU deveria orientar Bolsonaro no
sentido de que ele está errado nessa situação. Primeiro, pela decisão do STF.
Segundo porque o decreto que permitiu a abertura de academias e salões de
beleza ofende o princípio da razoabilidade, pois essas atividades não são
essenciais durante a epidemia.
“Bolsonaro está fazendo a AGU seguir uma postura
juridicamente insustentável. O presidente precisa perceber que a Constituição
Federal e o Estado não são ele. E AGU é advocacia de Estado. A postura correta
da AGU seria informar o presidente que ele não pode fazer tudo o que quer,
porque estamos em um Estado Democrático de Direito”, declara Cardozo.
Decisões do STF
No mês passado (15/4), no julgamento da ADI 6.341, o Supremo
estabeleceu que, além do governo federal, os governos estaduais e municipais
têm competência administrativa para determinar regras de isolamento, quarentena
e restrição de transporte e trânsito em rodovias em razão da epidemia do
coronavírus — conforme determina o artigo 23, II, da Constituição de República.
Além disso, os ministros fixaram que governadores e prefeitos têm competência
para definir quais são as atividades consideradas essenciais durante a crise do
coronavírus.
No julgamento da ADPF 672, o ministro Alexandre de Moraes,
relator da ação, reconheceu que "não compete ao Poder Executivo federal
afastar, unilateralmente, as decisões dos governos estaduais, distrital e
municipais que, no exercício de suas competências constitucionais, adotaram ou
venham a adotar, no âmbito de seus respectivos territórios, importantes medidas
restritivas como a imposição de distanciamento/isolamento social, quarentena,
suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais
e à circulação de pessoas". Assim, reconheceu e assegurou a competência
concorrente dos governos estaduais e distrital para a adição de medidas de
enfrentamento à epidemia — com concorrência suplementar dos municípios
(conforme artigo 30, II, da Constituição).
Dessa maneira, ressaltam os ex-advogados-gerais da União, o
descumprimento, por governadores e prefeitos, do decreto presidencial não é um
ato de “desobediência civil”, como disse Bolsonaro. “Ninguém é obrigado a
cumprir uma norma ilícita”, diz Cardozo.
Com informações do CONJUR
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