"Não dá para fugir [das redes sociais]. Ficar fora é
pior do que não saber ficar dentro." Essa frase, dita pelo conselheiro
Valdetário Monteiro sobre o comportamento dos magistrados nas redes sociais, no
evento “Os juízes e as mídias sociais”, reforça a necessidade de discutir o
assunto. Idealizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o evento ocorre na
sede do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em Brasília, até quarta-feira
(3/4). Os conselheiros Valtércio de Oliveira e Valdetário Monteiro presidiram
as primeiras duas mesas de debates do dia.
O especialista Fabro Steibel, diretor executivo do Instituto
de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS-Rio), citou a contabilização e
monetização dos algoritmos por meio dos dados colhidos a cada postagem, curtida
ou por compartilhamento de imagem ou mensagem e ressaltou que sem uma
comunicação orgânica nas redes é improvável que uma instituição consiga reagir
a um cenário tão adverso, como o das redes sociais. “O WhatsApp pode ser usado
como uma mídia de transmissão de conteúdo, não simplesmente de comunicação
entre indivíduos. Em um ambiente onde a proteção de dados ainda está crescendo,
ainda existe pouco controle sobre os dados compartilhados nessas e outras
redes”, afirmou o especialista no painel "O que são as mídias sociais e seu impacto sobre a vida dos
magistrados", realizado na tarde desta segunda-feira (1º/4).
Para Fábio, não falar nas redes sociais é, possivelmente, um
erro. Mas é preciso estar de maneira adequada no ambiente virtual. “Os
magistrados precisam estar nas redes. E as instituições também. Se você não
estiver lá, as informações sobre você ainda serão catalogadas, mas de acordo
com o que os outros dizem e como se entrelaçam com os seus dados”, disse.
Reflexão sobre impactos
“Vida pessoal e vida pública se misturam na rede. Não
estamos negando que o magistrado seja um cidadão, um ser político, além de
juiz. Mas esses aspectos se intercruzam e a opinião pública, assim como
algoritmos, não diferenciam uma coisa da outra”, disse a advogada e professora
de direito civil e comercial da Universidade de Brasília (UnB) Ana Frazão, no
painel “Como a sociedade vê o uso das mídias sociais pelos juízes”.
Para ela, os juízes precisam ter consciência dessas
repercussões. “Eles têm direito à expressão, mas precisam refletir sobre seus
impactos. O poder da comunicação é muito poderoso. E estamos em um momento que
em que estudiosos chamam de fim da ciência, fim da técnica, fim da teoria.
Qualquer opinião contra já é suficiente para criar uma aura de dúvida. As
pessoas não sabem mais no que acreditar”, disse a advogada.
Ao analisar as manifestações por parte da magistratura e do
Poder Judiciário, a advogada afirmou que o excesso de posicionamentos críticos
a colegas ou suas decisões estimula o clima de que “o direito é uma grande
bagunça”. Ela lembrou que a legitimidade do Poder Judiciário é decorrente da
qualidade da fundamentação das decisões. “Quando esse elemento técnico se perde
no debate popular, acalorado, isso compromete a própria legitimidade do Poder
Judiciário”, afirmou.
O desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª
Região (TRT3) José Eduardo de Resende Chaves Júnior fez um apanhado de alguns
teóricos da sociedade em rede que, impulsionada pelas novas tecnologias,
produziu uma dimensão virtual, cujo impacto ainda vem sendo estudado por especialistas.
Ele comentou sobre elementos utilizados na web que permitem
falsear informações e manipular opiniões, como o deep fake e os bots, assim
como a dificuldade de se distinguir a verdade da mentira, com a utilização cada
vez mais amplificada dos mega dados. “[Gilles] Deleuze foi um visionário, ao
pensar em princípios relativos à reprodução de informação infinita que alteram
a realidade. Vivemos, hoje, a Sociedade do Controle, do algoritmo, que sabe
tudo sobre nós”, disse, em alusão à obra do filósofo francês.
O deepfake usa inteligência artificial para criar vídeos
falsos, mas realistas. A técnica, que permite fazer as montagens de vídeo, já
gerou desde conteúdos pornográficos com celebridades até discursos fictícios de
políticos influentes. Já os bots são programas de computador criados para
realizar tarefas repetitivas e automatizadas na internet. Essa tecnologia tem
ganhado importância e impacto com as redes sociais e estão relacionadas com
movimentos e influência de tendências na vida real.
Poder de decisão
O jornalista Heraldo Pereira, da Globonews, finalizou a
primeira parte do evento, reforçando a responsabilidade dos magistrados em
relação à limitação dos meios e as redes sociais. “Vocês decidem todos os dias
sobre coisas importantes. Esse talvez esse seja um momento crucial do momento
da comunicação. O Trump pode falar por uma rede social, mas Poder Judiciário
diz o direito. Até mesmo para tirar o Trump. O poder desta decisão é de vocês”,
afirmou.
Nesta terça-feira (2/4), segundo dia do evento “Os juízes e
as Mídias Sociais”, serão realizados grupos de trabalho com debates sobre
aspectos disciplinares do uso das mídias sociais pelos juízes. No último dia do
evento (3/4), será apresentada uma consolidação de propostas educacionais e
disciplinares sobre o tema. O ministro Dias Toffoli, presidente do CNJ e do
Supremo Tribunal Federal (STF), participa da cerimônia de encerramento.
Com informações da CNJ de Notícias.
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