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Supremo confirma suspensão de ações que censuraram universidades

Com comparações e referências à ditadura civil-militar brasileira e a outros regimes autoritários, como o próprio nazismo alemão, o Supremo Tribunal Federal referendou, nesta quarta-feira (31/10), a suspensão das ações policiais e judiciais que censuraram atos, aulas e manifestações políticas em universidades. A decisão unânime do colegiado recorreu aos princípios da liberdade de expressão e de cátedra.

Em sessão que durou mais de cinco horas e que tratou exclusivamente do tema, os ministros exaltaram o voto dado pela relatora do caso, ministra Cármen Lúcia, classificado de "antológico". A arguição de descumprimento de preceito fundamental foi apresentada pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e a liminar concedida no último sábado (27/10). O mérito ainda deverá ser avaliado pelo Plenário.
“Sem liberdade de manifestação, a escolha é inexistente. O que é para ser opção, transforma-se em simulacro de alternativa. O processo eleitoral transforma-se em enquadramento eleitoral, próprio das ditaduras. Por isso, toda interpretação de norma jurídica que colida com qualquer daqueles princípios, ou, o que é pior e mais grave, que restrinja ou impeça a manifestação da liberdade é inconstitucional, inválida, írrita”, enfatizou Cármen Lúcia.
Na decisão, ela pontuou também que exercício de autoridade não pode se converter em ato de autoritarismo. Cármen Lúcia defendeu que o processo eleitoral, no Estado democrático, está fundado nos princípios da liberdade de manifestação do pensamento, de informação e de ensino e aprendizagem, de escolhas políticas, realçando que consenso não é imposição.
“Em qualquer espaço no qual se imponham algemas à liberdade de manifestação há nulidade a ser desfeita. Quando esta imposição emana de ato do Estado (no caso do Estado-juiz ou de atividade administrativa policial) mais afrontoso é por ser ele o responsável por assegurar o pleno exercício das liberdades, responsável juridicamente por impedir sejam elas indevidamente tolhidas”, ressaltou a relatora.
De acordo com ela, é importante pontuar que o ambiente acadêmico é protegido constitucionalmente contra restrições de informação, ensino e aprendizagem. A garantia de autonomia é assegurada de maneira expressa na Constituição para blindar esse espaço de “investidas indevidas, restritivas de direitos”. Sendo assim, a demonstração da nulidade faz-se, para ela, mais patente e também mais séria.
Ao acompanhar o voto, o ministro Alexandre de Moraes enfatizou a natureza de censura prévia das decisões. "Elas ferem a liberdade de reunião, a liberdade de cátedra. Se um professor quer falar sobre fascismo, o comunismo, o nazismo, tem direito de falar. Não é a autoridade pública que vai exercer um filtro absolutamente paternalista e antidemocrático", disse o ministro. "Como uma decisão judicial pode proibir a ocorrência de uma aula que vai ocorrer ainda?", questionou.
Dessa forma, ele considerou que as medidas acabaram por exorbitar a legalidade, a constitucionalidade e feriram o pluralismo, a liberdade de expressão que garante a troca de ideias, o próprio exercício dos direitos políticos. Mais grave, para ele, terem atingido as universidades, "pois se somou o ferimento ao local de ensino, troca de ideias, liberdade de cátedra. não há ensino, desenvolvimento se não houver liberdade de cátedra", disse, se colocando como professor e lembrando nota divulgada pelo diretor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Floriano de Azevedo Marques Neto.
Para o ministro Luís Roberto Barroso, essas decisões e atos do Poder Público confundiram liberdade de expressão com propaganda eleitoral. Segundo ele, não se pode permitir que, a pretexto do exercício do poder de polícia sobre a propaganda eleitoral, se restrinja a liberdade de manifestação do pensamento, acadêmica e de crítica nas universidades, sobretudo quando essas manifestações têm a intenção de preservar a democracia.
“Esses atos são inequivocamente autoritários e incompatíveis com o país que conseguimos criar e remetem a um passado que não queremos que volte. Pensamento único é para ditadores e a verdade absoluta é própria da tirania”, ressaltou. Barroso disse ainda que não é razoável ou legítimo cenas de policiais irrompendo em salas de aula para impedir a realização de palestras ou retirada de faixas que remetem a manifestação de alunos, cenas como a apreensão de discos rígidos, de computadores, ainda que sejam de docentes e discentes.
Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, a ministra Rosa Weber destacou que a liminar dada pela ministra Cármen Lúcia não invalida nenhum dispositivo da legislação eleitoral. Ela afirmou que a liberdade é "valor primaz" da democracia. Rosa Weber lembrou o compromisso do TSE, por meio da Corregedoria-Geral da corte, de esclarecer as circunstâncias e coibir eventuais excessos no exercício do poder de polícia eleitoral.
Segundo a ministra, a Justiça Eleitoral “não pode fechar os olhos” para os direitos, as liberdades e os princípios fundamentais assegurados na Constituição, “em particular a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, o pluralismo de ideias e a autonomia didático-científica e administrativa das universidades”.
O ministro Gilmar Mendes levou ao colegiado exemplos de censura ocorridos na Alemanha da década de 1930, quando a polícia agia nas universidades com queima de livros. "A presença da polícia nas universidades traz memórias extremamente tristes na história mundial. Basta lembrar a grande queima de livros realizadas em diversas cidades da Alemanha em 1933 em perseguição a autores que se opunham ao regime nazista”, disse.
Gilmar ampliou a extensão da liminar, propondo outras medidas para proteger a liberdade de cátedra e as liberdades acadêmicas inclusive no âmbito das relações privadas, individuais ou institucionais. O ministro citou o caso da deputada estadual eleita por Santa Catarina Ane Caroline Campagnolo (PSL).
Ela, que também é professora, abriu um canal para que alunos denunciem professores que supostamente estejam fazendo manifestações político-partidárias em sala de aula. “Mostra-se inadmissível que, justamente no ambiente que deveria imperar o livre debate de ideias, se proponha um policiamento político-ideológico da rotina acadêmica”, destacou.
No entendimento do ministro Luiz Edson Fachin, o STF tem sublinhado reiteradas vezes que a liberdade de pensamento goza de status preferencial no estado Democrático de Direito. “Sem educação, não há cidadania. Sem liberdade de expressão e pensamento, não há democracia”, afirmou. "Em nenhuma das decisões há referência do exercício da liberdade de expressão das universidades. Não há qualquer referência ao livre ambiente de ideias e contexto em que tais atos tenham sido proferidos”, pontuou.
Rememorando julgamento de Habeas Corpus em 1964, ano do golpe que instituiu o regime de exceção no Brasil, o ministro Ricardo Lewandowski observou que decisões do STF em defesa da liberdade de pensamento nas universidades não são novidade. Em agosto de 1964, o STF deferiu um HC para trancar ação penal contra um professor de Introdução à Economia da Universidade Católica de Pernambuco, acusado de ter distribuído aos alunos material criticando a situação política do país.
“No Brasil, quase tudo está por se fazer. Nosso futuro depende do espírito de criação dos órgãos de pensamento, principalmente dos jovens. E não há criação sem liberdade de pensar, de pesquisar, de ensinar. Se há lugar que deve ser o mais livre possível, esse lugar é a universidade”, ressaltou Ricardo Lewandowski.
Em voto duro contra as medidas da magistratura, o decano, ministro Celso de Mello, disse que o Estado não pode frustrar a liberdade de expressão. "Nada recompõe os gravíssimos efeitos do gesto de infidelidade ao texto da lei fundamental. Tenho pra mim que o STF defronta-se, no caso, com um tema de magnitude inquestionável.”
O decano, que presidiu parte da sessão, lembrou vários precedentes da corte. “O desrespeito ao direito de reunião por parte do Estado e seus agentes traduz compreensão de gesto de arbítrio e inquestionável transgressão das liberdades”, frisou. "Não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão, de comunicação, de informação, mostrando-se inaceitável qualquer deliberação estatal, seja ela executiva, legislativa ou judicial, cuja execução importe em controle do pensamento crítico, com o consequente comprometimento da ordem democrática”, continuou.
ADPF 548

Por  ( Repórter da revista Consultor Jurídico )


Com informações do CONJUR



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