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Improbidade administrativa não se restringe a atos de enriquecimento ilícito

A Constituição Federal de 1988 dispôs, em seu artigo 37, § 4º, que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento do erário, na forma e gradação previstos em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
Em atendimento a essa disposição constitucional veio a lume a Lei 8.429, de 2 de junho de 1992, restando revogados o regramento anterior, constituído das Leis 3.164, de 1º de junho de 1957, e 3.502, de 21 de dezembro de 1958. Essas leis tratavam do enriquecimento ilícito do agente público e haviam sido editadas com fundamento no art. 141, § 31, segunda parte, da Constituição Federal de 1946.
Com a Lei 8.429/92 foi instituído novo regime de combate à improbidade administrativa. O projeto inicial, encaminhado pelo Poder Executivo Federal, previa que a improbidade administrativa estava restrita ao enriquecimento ilícito. No entanto, por força de inúmeras emendas, o instituto recebeu contornos muito mais amplos.
A atuação em ações de improbidade administrativa vem demonstrando que, não obstante a lei já esteja em vigor há mais de 20 anos, ainda existem inúmeras alegações de inconstitucionalidades.
A alegação de inconstitucionalidade formal, em razão da suposta ofensa à regra da bicameralidade,  já foi afastada pelo Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno, ADI 2182 MC/DF, relator ministro Mauricio Corrêa, julgado em 31.05.2000).
No entanto, convive-se atualmente com alegações de inconstitucionalidades materiais da Lei 8.429/92. Uma delas consistiria no fato de que a lei previu três modalidades de ato de improbidade administrativa: a que causa enriquecimento ilícito (art. 9º), a que causa dano ao erário (art. 10) e a decorrente da violação dos princípios que regem a atividade administrativa (art. 11).
Segundo alguns, a lei federal só poderia prever a modalidade de enriquecimento ilícito, sendo inconstitucionais os dispositivos que preveem constituir ato de improbidade administrativa os atos dos quais resultem dano ao erário (art. 10) ou que infrinjam os princípios que regem a Administração Pública (art. 11).
Não se pode concordar com esta tese. O Direito brasileiro prevê, há muito tempo, conceito alargado de improbidade e o Direito Constitucional, de há muito, relega ao ordenamento infraconstitucional a definição de ato de improbidade administrativa.
Basta lembrar que a Constituição de 1946 previa ser crime de responsabilidade do presidente da República, dentre outros, os atos que atentassem contra a probidade na administração (art. 89, V), deixando para o legislador infraconstitucional a tarefa de definir estas infrações.
A Lei 1.079, de 10 de abril de 1950, definiu, em seu artigo 9º, os crimes de responsabilidade contra a probidade na administração. São os seguintes: 1) omitir ou retardar dolosamente a publicação das leis e resoluções do Poder Legislativo ou dos atos do Poder Executivo; 2) não prestar ao Congresso Nacional as contas relativas ao exercício anterior, dentro de 60 dias após a abertura da sessão legislativa, 3) não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição; 4) expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição; 5) infringir no provimento dos cargos públicos, as normas legais; 6) usar de violência ou ameaça contra funcionário público para coagi-lo a proceder ilegalmente, bem como utilizar-se de suborno ou de qualquer outra forma de corrupção para o mesmo fim e, finalmente, 7) proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.
Do exposto, verifica-se que constitui tradição do Direito Constitucional relegar a tarefa de descrever a improbidade administrativa ao legislador ordinário. Assim ocorreu sob a égide do regramento constitucional anterior e assim ocorre atualmente. E o legislador ordinário não está adstrito a considerar improbidade administrativa apenas os atos dos quais resultem enriquecimento ilícito.
Verifica-se, também, que as condutas enunciadas na Lei 1079/50, atentatórias à probidade, não se restringem ao conceito restrito de corrupção, ou seja, do enriquecimento ilícito em seu sentido econômico.
A improbidade administrativa deve ser compreendida como a conduta humana que corrói o Estado e conspira para que este deixe de cumprir seu papel, de concretização dos direitos da cidadania. Neste sentido, bem andou o legislador ordinário descrevendo a improbidade administrativa como a ato praticado pelo agente público e, quando o caso, por terceiro, sempre que dele resulte enriquecimento ilícito, dano ao erário ou violação dos princípios que regem a Administração Pública.

*Evelise Pedroso Teixeira Prado Vieira é procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo e integrante do Ministério Público Democrático.

Fonte: Conjur

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