(Fotos: Jorge Nascimento)

"...Mensagens, louvores, agradecimentos, emoçoes, alegrias sem fim por conta do Dia das Mães. Eu, que sou mãe, filha e irmã dentro de uma família unida e feliz, com dois filhos que me dão t
anto carinho quanto respeito e vice-versa,tenho motivos para comemorar e agradecer a Deus. No entanto, se individualmente estou realizada, o mesmo nao ocorre quando se trata de pensar no coletivo, nas crianças e jovens entregues à própria sorte, sem garantias de vivenciar seus direitos fundamentais constitucionalmente garantidos.
Nos dias em que todos festejam determinada situaçao (no caso, o amor de mãe) compreendo que é politicamente incorreto discordar sobre o ponto essencial da comemoração, mas nao posso deixar de registar que, infelizmente, o amor de mãe vive um prolongado momento de crise. Basta pensar no que significam os milhares e milhares de meninos e meninas sem lar, perambulando nas ruas das cidades, cheirando cola, fora da escola, trabalhando em locais perigosos, assaltando, matando, morrendo, excluídos e infelizes senão que tais seres em formaçao não tiveram o amor de mae necessário para salvá-los desse destino terrível?
Na experiência como Promotora de Justiça da Infancia e Juventude vivencio situaçoes de flagrante desamor:
* mães que procuram a Promotoria de Justiça ou o Conselho Tutelar para "entregar" a filha (com menos frequencia, o filho) para o Estado porque "nao dao conta mais" de criá-las;
* mães que - chamadas à responsabilidade porque deixam seus filhos sozinhos em casa e vao para festas e bares - argumentam "doutora, tenho direito de me divertir";
* mães que entregam seus filhos para as avós criarem para livrar-se da responsabilidade de educá-los;
* mães que fogem com o companheiro que estuprou violentamente as filhas delas;
* mães que nunca contaram uma única estorinha infantil para seus filhos dormirem porque de noite estao nos bares e festas, ou mesmo em frente à televisao - alienadas e distantes de sua missao de mãe;

* mães que dormem sem saber onde seus filhos estão e sao surpreendidas com um telefonema do delegado de polícia em plena madrugada: "senhora, seu filho está aqui, apreendido. Foi flagrado assaltando a mao armada";
* mães que são surpreendidas quando - diante da Promotora - seus filhos declaram que sao usuários de maconha ou de pasta de cocaína;
* mães que sabem que seus filhos consumem alcool e nada fazem para deter;
* mães que entregam as filhas para a prostituiçao em troca de bebida e de droga;
* mães que calam quando o próprio companheiro abusa sexualmente de suas filhas;
* maes que nunca colocaram limites em seus filhos porque dizer nao dá trabalho;
* maes que mandam seus filhos cada vez mais cedo para a escola, para livrarem-se da responsabilidade de educa-los durante grande parte do dia;
* maes que se omitem de dar a educaçao social aos filhos e tentam transferir essa missao para a escola, sem perceber que os professores nao podem substituir a familia em diversos aspectos da educaçao integral;
* maes que acham que substituem carinho, atençao, educaçao por um passeio no shopping center, onde compram para a filha ou o filho a roupa, o calçado, o brinquedo da grife que está na moda;
* maes que nao ensinam aos filhos o respeito que devem ter para com as pessoas e ainda defendem os filhos em suas posturas mal educadas na escola;
* maes que nao conseguem perceber quando seus filhos precisam de cuidados psicológicos;
* maes que aceitam que seus filhos as tratem com brutalidade porque nao conseguiram dar-lhes a educaçao necessaria para faze-los respeitá-las;
* maes que não se interessam pelo rendimento escolar de seus filhos;
* maes que permitem que seus companheiros espanquem seus filhos;
* mães que abandonam os filhos à propria sorte.
Enfim, sao tantos itens que poderia elencar que nao caberia
neste espaço. E todos traduzem uma realidade: vivemos uma crise fortissima de
desamor materno. Chegamos em um ponto em se propõe que o Estado crie um programa
social para ensinar a familia a se comportar como família e a mae a ser
verdadeiramente mae.
No entanto, reconheço que depositar na conta da
individuação (nas mães) a culpa pela situação por que passam crianças e
adolescentes só reforça o véu que encobre um déficit que é da própria sociedade.
A crise do amor de mãe, provavelmente, é o reflexo de uma sociedade formada por
indivíduos que se lançam cada vez mais no vazio da valorização do eu, da omissão
na participação social. Ou seja, de nada vale expiar a culpa pelas violações de
direitos das quais são vitimas crianças e jovens por meio da individuação do mal
na pessoa da mãe, ou na família. Talvez avancemos mais na busca de solução para
tantos casos de mães que querem “entregar” os filhos para o Estado, ou que
colocam a própria diversão acima do direito fundamental dos filhos à proteção
integral, ou que rejeitam a responsabilidade pela educação dos filhos,
atribuindo essa tarefa unicamente à escola, se virmos esses comportamentos menos
como atos de mulheres isoladas e mais como produção do social, coletiva.
O desamor, seria, então, a expressão de uma totalidade também sem amor, egoísta, centrada no eu e omissa em sua responsabilidade social.
Estamos todos contaminados pela epidemia da indiferença em relação à grave questão social que envolve crianças e adolescentes abandonados à própria sorte, vitimas de todos os tipos de violência e carências? Só nos importamos com eles quando nos assaltam – aí os queremos presos, punidos, expurgados? Ou quando estão nos semáforos, pedindo esmola – aí os queremos longe de nossas vistas, em qualquer lugar fora do nosso caminho?
Portanto, penso que o desamor materno evidenciado nos semáforos e praças, na evasão escolar, na escalada das drogas deve ser pensado como um processo que atravessa toda a sociedade, que infelizmente constitui a nossa vida coletiva.
Talvez a melhor proposta seja refletir como e por que desenvolvemos em nosso tecido social esse processo de destruição do maior amor existente na Terra. Não seria o reflexo do esgarçamento dos laços sociais? Que chance estamos oferecendo para essas mulheres que aqui classifiquei tão duramente como desamorosas para com seus filhos?
Portanto, faço a mea culpa e reconheço que apontar o dedo em
riste em direção às mães pode ser conveniente para aplacar a consciência de uma
sociedade que encontra a felicidade nas sacolas de compra nos shoppings, mas
está longe de ser o norte que pode nos levar à solução do gravíssimo problema.
Postado por Ana Maria às 18:40 de 08.05.11 em seu Blog;
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